Botão

Perdi um botão.

Faz uma falta tremenda sempre que lembro do frágil botão. Constrangida pelo sentimento pequeno que é, finjo que não aconteceu ou que é coisa comum que acontece com todo mundo. Mostrar fraqueza é tão perigoso quanto falar delas. Assim, apenas finjo que é coisa comum, que também vai acontecer com você.

Em plena véspera de feriado, logo quando sabíamos que nada funcionaria, para dificultar as coisas como sempre. Mas já aprendi que isso é bem proposital, como quem dá uma lição de que nada é fácil, que as coisas machucam e é com isso que se cresce.

O botão estava ali sempre, sem se fazer perceber, mas sempre com um ar de soberania…como se dependêssemos dele pra tudo. Deixamos assim, por anos…décadas. Acho que por várias vidas passadas, inclusive.

Me fiz forte, aprendi com as pedras no caminho, ignorando a minha dependência do maldito botão. Mas o perdi.

O fantasma me ronda, a falta ainda me faz vergonhosamente fraca e forte ao mesmo tempo. Ainda finjo que o botão não faz falta.

Imperfeitos

Coçar os olhos por vezes me faz lembrar de como era bom acordar com a única preocupação de tomar café. Levantar num pulo e andar pela casa sem pressa, sem pensamento algum. Tomar café e fazer planos.

Nem lembro dos planos, na verdade. Mas eram infantis, doces, secretos.

Acordo e vejo o tempo que passou, as feridas que não secam, as mágoas que me remoem, as manias que ainda me machucam. As sombras que sempre aparecem e se mostram infinitamente melhores do que eu.

Mudaria um par de coisas, mas cresceria e continuaria fria, calculista, debochada e acima de tudo oca.

Ao lado a imperfeição, as feridas que escolhi, as dores que resolvi ter por capricho.

Sinto que sou as dores de alguém, o porto seguro falho, mentiroso. Uma falsa segurança cai sobre os meus ombros.

Sou tão imperfeita quanto. Sou a escolha que machuca alguém.

Escada

Subia todos os dias com sorriso contido, adorava poder te alcançar. Quando percebi que os degraus só faziam aumentar sentei e esperei…

Quando quietinhos eles ficavam corria de novo pra te alcançar.

Quando por fim você desceu, eu já não respirava, era muito cansaço. Quando pude te aproveitar, mudei de andar. Agora é você que tem que descer, e já não é constante o nosso encontro.

Os degraus não são mais altos ou em grande número. Você que os faz difíceis, e eu só sento  e espero eles ficarem quietinhos.

A culpa é das escadas, amor?

monociclo

Todos os dias pensa em levantar, se esticar e ir ao banheiro…

todos os dias pensa em levantar fazer um café e depois sentar no computador

todos os dias pensa em trabalhar

todos os dias pensa

pensa

Todas as tardes se esforça pra terminar a tempo

todas as tardes não tem tempo

todas as tardes

todas

Todas as noites se esforça  pra não cair no tédio

todas as noites tem rompantes de ideias

todas as noites não dorme direito pensando nelas, as ideias

que todas as noites fazem ninho e não vão embora

todas as noites

quando o sono vem, já não sabe em que mundo está

quando tudo fica escuro pensa que já não dá tempo

quando acorda pensa:

Todos os dias….

Quando eu for grande

O menino disse ao pai, enquanto olhava pela janela do ônibus uns cachorros na rua:

– Pai, quando você era pequeno tinha medo de sair sozinho?

O pai desconcentrado olhando para o nada:
– Eu sempre fui medroso, por isso tenho você agora.

O menino riu sem entender e disse:
– Quando eu for grande só vou ter um cachorro.

Lista

Acorda. Dorme. Acorda…
Levanta, anda devagar, pensa no que tem pra fazer, escova os dentes andando pela casa. Cospe e olha bem pro ralo. Mais um dia, mais um dia…
Faz café, lê o jornal, toma uma dose escondido. Arruma os livros, separa um pro fim do dia. Começa a escrever. Hummm… só começa.
Pensa na vida, levanta anda pela casa, acende um, acende dois, toma outra dose. Escreve, mas assim, só por escrever.

Senta, pega um papel, organiza a vida em uma lista de 10:
1- Arrumar um emprego de verdade..não, não…arrumar outro PC…não, não arrumar trabalho que assim compro outro computador, um decente.
2- Ligar pra agradecer o convite e dizer que estarei sem grana…melhor não ligar e dizer que fui, mas não vi ninguém conhecido por lá.
3- Lista idiota…decidir as coisas antes de realmente fazer algo.
4- Parar de fumar..não, não…preciso de mais cigarro, deixa pra lista de manhã.
5- Putz, ainda faltam cinco…não foi uma boa ideia…
Levanta, pega outro cigarro, mas não acende, apenas pega e olha como quem pensa em algo profundo. Acende e liga o rádio. Notícias que não interessam, que não afetam um dia como este. Uma volta pela casa mostra que ainda falta tanta coisa pra fazer e nenhuma perspectiva… melhor voltar pra lista…
6- Jogar fora as fotos da infância, são depressivas, me dão angústia e nem tenho muitas mesmo…
7- Me livrar dos textos pra essa semana logo, assim terei tempo pra ficar a toa…tempo pra não fazer nada…
8- Que se dane..

Sai, dá uma volta pelo bairro e não pensa em nada de interessante, só em futilidades, só em acasos que poderiam, mas não acontecem.
Volta e não traz consigo nada demais, só a mesma angústia infantil de sempre, egoísmo de um sentimento de puro desprezo pela vida própria. É só mais um dia…
Tira tudo do lugar, arruma tudo ao contrário na busca incessante por seu próprio avesso, seu “não eu”, seu outro eu…o seu outro…mas não é nas coisas que se preenche, não é no outro…uma rápida passada pelo espelho e tudo parece mais duro, mais seco e inóspito…o problema não é, definitivamente, o outro…

Senta… pega a caneta e escreve bem grande :
9- Encontrar o que me falta, amanhã, sem falta.
10- Parar de fumar, definitivamente, amanhã.

Então desiste. Levanta, toma banho senta na frente da televisão com um prato de comida velha, ao lado um copo de café bem quente e nos olhos qualquer coisa. Não importa.
Adormece. Acorda no escuro, senta na frente do computador, escreve qualquer texto que ainda estava incompleto. Não importa, deve ser para amanhã, sempre na pressa, sempre de qualquer forma. Enfim…acabou.
O rádio ainda ligado, as coisas ainda no avesso, a ligação ainda não feita, o texto mal feito, a vida toda que não completa…comida no lixo, café frio na pia, uma dose antes de dormir…
Escova os dentes andando pela casa, vê o nada que por sinal enche cada canto… toma um banho bem quente, desliga o rádio, fecha o programa sem salvar o texto, desliga as luzes, deita. Insônia…
Enfim… acabou.

Acorda e no fim, já acabou.

Bolo

… daqueles com cereja em cima?

Não, de fubá com erva-doce…bem quentinho, que daí a gente faz café.

…o seu ou o meu?

Pode ser o seu, você faz e eu sirvo.

Quer conversar antes de dormir? Eu tento ficar e segurar o sono…

(leve riso e olhar distraído) pode ficar se quiser, hoje não quero conversar

…quero tomar café, comer, ler, passear e depois dormir…mas não quero conversar.

Posso ficar bem aqui (com as mão meio que se apertando e um olhar preocupado) só mesmo pra ficar do lado…

Senta aí e tomamos nosso café, depois vemos se achamos algo pra nos distrair…

O bolo podia ser daqueles com cereja em cima…

(riso com um leve apertão nos lábios inferiores)… não, fubá com erva-doce…

Eu, você, os robôs e o amor

“Estou realmente convencido de que haverá uma grande demanda por pessoas que têm um vazio em suas vidas por não terem ninguém para amar, e ninguém que as ama”, diz David Levy, escritor e ganhador de prêmios que envolvem tecnologia robótica. “O mundo será um lugar muito mais feliz porque todas aquelas pessoas que agora se sentem miseráveis terão alguém. Acho que esse será um maravilhoso serviço para a humanidade.”

Ok, imagine agora que todo esse amor, esse carinho para oferecer, venha de um robô. Isso mesmo, uma máquina. Caso esteja intrigado, deixo logo claro que eles, os robôs, não são mais como antigamente.

Em dezembro do ano passado, um programador canadense mostrou sua esposa robótica ao mundo. Eu disse (escrevi), ESPOSA. Coloque aí todo sentimento que isso possa envolver. Não estamos mais falando de bonecas, ou pequenos, ou grandes, intrumentos mecanizados, com finalidades sexuais. Estamos falando de amor.

Tudo bem que não é de hoje que a tecnologia avança para todos os lados, por isso é chamada de tecnologia avançada, não é?

TV Digital, raio laser, bombas inteligentes, robôs que cozinham, que atendem em bibliotecas, que consertam coisas, uma lista cada vez maior de profissões humanas já estão sendo ocupadas por robôs. Mas amor? sexo?

Roxxxy TrueCompanion é a primeira robô com inteligência artificial que pode fazer sexo com seu usuário, a quem ela conhece pelo nome, e conversa para tornar a coisa mais real. Se tocada, dependendo do perfil feminino escolhido por seu dono (!), ela pode até ter um orgasmo, graças a sensores espalhados por seu corpo. Pois é, ela pode.

A “primeira robô do sexo” pode conversar, ouvir, falar, sentir o seu toque e até ser sua amiga e companheira (se a primeira que citei é a esposa, esta pode ser “a” amante!). O projeto, desenvolvido pela True Companion, foi criado por Douglas Hines, um ex-pesquisador do Bell Labs que vem trabalhando em com conceitos de inteligência artificial desde 1993. Roxxxy foi desenvolvida e aprimorada nos últimos dois anos e meio, um trabalho intenso para mostrar até onde vai a criatividade humana quando se trata de satisfazer certos desejos.

Isso lembra o filme “AI, inteligência artificial”, em que Jud Law interpretava um “robô do amor”. Talvez estejamos vendo filmes demais, ou pensando de forma racional demais certos prazeres…

O fato é: eles já tomam empregos em alguns lugares do mundo, já estão em fábricas, em alguns pontos turísticos, em casas desempenhando trabalhos domésticos…e agora podem estar “te amando”.

A tecnologia anda avançando demais. E eu? você? os robôs? e o amor, sexo ou seja lá o que queremos sentir. Quanto isso vai custar?

Visita ao Cotidiano

O blog Contos Cotidianos foi criado com o objetivo de… na verdade ele não é pra ser objetivo, ele é mais objeto.

Objeto da forma mais bruta que se pode pensar, a função dele é ser usado. Claro, usado com um bom propósito, o de ser área livre, espaço de recreação criativa, depósito de impressões poéticas ou simplesmente para escrevermos contos que são inspirados pelo nosso cotidiano.

A ideia foi do Gabriel (criador do espaço) numa dessas conversas soltas sobre a vida… coisa bem filosófica e totalmente desprendida de obrigações literárias, gramaticais e outros diversos “empecilhos” criativos. Era só escrever, seja bonito ou indigesto, só desabafar.